Este artigo foi publicado em inglês em "The Annals of Pharmacotherapy", marzo 2002, Volumen 36, pp.465-470.
Obstetrícia / Ginecologia


O efeito pós-fertilização da contracepção hormonal de emergência

Pelos doutores Chris Kahlenborn, Joseph B. Stanford e Walter L. Larimore


Documento em PDFO efeito pós-fertilização da contracepção hormonal de emergência
Resumo
Começo do artigo
Mecanismos de ação
EFEITOS NA OVULAÇÃO
EFEITOS DA CONTRACEPÇÃO HORMONAL DE EMERGÊNCIA (CE) NA FASE PRÉ-OVULATÓRIA
EFEITOS NA IMPLANTAÇÃO
Aumento do risco de gravidez ectópica?
Contribuição relativa do efeito pós-fertilização
Resumo e implicações
Apêndice 1. Crítica da eficácia da contracepção de urgência.
Referências
Resumo em Francès
Resumo em Inglès
Origem do artigo

OBJETIVOS: Avaliar a possibilidade de efeitos depois da fertilização nos contraceptivos de emergência (CE) mais usados nos Estados Unidos e explorar o impacto ético desta possibilidade.

ORIGEM DA INFORMAÇÃO E SELEÇÃO DOS ESTUDOS: Fez-se uma revisão do MEDLINE (1966-novembro 2001) para identificar todos os artigos pertinentes em idioma inglês. Fez-se uma revisão maior da seção de referências para identificar artigos adicionais relacionados. Os termos buscados incluem: contracepção de emergência, contracepção pós-coito, efeitos depois da fertilização, Regime de Yuzpe, levonorgestrel, Plano B.

SÍNTESE: Os dois métodos mais comuns de contracepção de emergência (CE) hormonal nos Estados Unidos são o Regime de Yuzpe (doses altas de ethinyl estradiol com doses altas de levonorgestrel) e o Plano B (doses altas de levonorgestrel). Ambos os métodos às vezes impedem a ovulação, porém também podem atuar reduzindo a possibilidade de implantação devido a seus efeitos adversos no endométrio (efeito pós-fertilização). A evidência disponível é moderadamente forte, dependendo de que o contraceptivo hormonal tenha sido utilizado na etapa pré-ovulatória, ovulatória ou pós-ovulatória do ciclo menstrual.

CONCLUSÕES: Com base na evidência teórica e na evidência empírica, o Regime de Yuzpe e o Plano B atuam às vezes causando efeitos na pós-fertilização, independentes da etapa do ciclo menstrual em que tenham sido usados. Estas descobertas têm implicações potenciais nas áreas de licenças para tratamentos de pacientes, protocolos do departamento de emergência e cláusulas de consciência.

PALABRAS-CHAVE: Contracepção, levonorgestrel, efeito pós-fertilização.

Ann Pharmacother 2002;36:465-70.


A contracepção de emergência (CE) consiste em hormônios ou dispositivos intra-uterinos usados dentro das 72 horas do contato sexual, visando a prevenir a gravidez. Nos anos '60 e '70, as mulheres usavam como contracepção de emergência (CE) altas doses de estrogênios como o diethylstilbestrol.1 Este tratamento foi substituído em 1974 por uma combinação de altas doses de contraceptivos orais (CO) (ou seja, ethinyl estradiol/levonorgestrel), usados num intervalo de 12 horas (Regime de Yuzpe). Anos depois se estabeleceu o "Plano B", que consistia em dois tabletes de levonorgestrel.2 O dispositivo intra-uterino, o danazol (danocrine) e o mifepristone também foram estudados e promovidos como contraceptivos de emergência, mas o Regime de Yuzpe continua sendo o mais usado nos EUA e na Europa.3

A pergunta acerca de se os contraceptivos hormonais de emergência (CE) às vezes atuam depois da fertilização para prevenir a implantação; tendo um efeito pós-fertilização (ou seja, um aborto precoce) é importante e poderia ter grandes implicações devido às diferentes atitudes a respeito do uso e dos assuntos que se relacionam com ele, tais como o consentimento informado, os protocolos dos departamentos de emergência em casos de violação e as cláusulas de consciência. O efeito pós-fertilização se refere a qualquer efeito que reduza o tempo de vida do embrião depois da fertilização, usualmente antes de ter conhecimento clínico da gravidez. Nós usamos o termo pós-fertilização como aborto precoce. Reconhecemos que alguns médicos4, geneticistas e especialistas em ética definiram arbitraria¡mente que a vida humana começa depois da implantação, abrindo a porta para a possibilidade do aborto antes da implantação. Entretanto, nós aderimos à definição tradicional de gravidez: "o processo da gestação, que inclui o crescimento e desenvolvimento dentro da mulher, de um novo indivíduo a partir da concepção, passando pela vida embrionária, fetal e nascimento", em cuja definição a concepção é "o início da gravidez, a qual geralmente é considerada o instante em que o espermatozóide entra no óvulo e se forma um zigoto viável." 5

Numa revisão prévia6 do mecanismo de ação dos CO, nós concluímos que atuam às vezes através do efeito pós-fertilização. Ou seja, depois da fertilização e antes de que se comprove clinicamente a gravidez. No entanto, o Regime de Yuzpe e o Plano B têm diferentes doses e tempos de uso que podem resultar em diferentes ações no sistema reprodutivo. Este artigo revisa dados sobre o Regime de Yuzpe e o Plano B, a respeito de seus mecanismos de ação e das potenciais implicações éticas de estes mecanismos.

Mecanismos de ação

O PDR (Physicians' Desk Reference)7 estabelece que "as pílulas contraceptivas de emergência (os CE)... atuam principalmente impedindo a ovulação. É possível que atuem alterando o transporte do espermatozóide ou do óvulo, e/ou alterando o endométrio (inibindo assim a implantação)." The Medical Letter2,8 publicou o que segue sobre os CE hormonais: "Alguns estudos demonstraram alteração do endométrio, o que sugere que também poderiam interferir na implantação do óvulo fertilizado, mas outros estudos não encontraram esses efeitos." Portanto as perguntas éticas críticas são: O uso do Regime de Yuzpe ou do Plano B causa um efeito pós-fertilização; ou seja, o uso dos CE hormonais às vezes provoca um aborto precoce ao alterar as propriedades receptoras do endométrio? Esse efeito pode ocorrer quando os CE se usam na fase pré-ovulatória do ciclo, ou o efeito pós-fertilização ocorre apenas quando se utilizam os CE na fase ovulatória ou pós-ovulatória?

EFEITOS NA OVULAÇÃO

Freqüentemente se afirma que o uso dos CE impede firmemente a ovulação. Estudos iniciais feitos por Carr e outros9 encontraram que os níveis de hormônios estradiol, progesterona, hormônio de luteinização (LH), e as concentrações de hormônios que estimulam os folículos (FSH), diminuíam significativamente quando começavam a ser usados os contraceptivos orais (CO). Devido a que um aumento do hormônio LH é necessário para a ovulação, este resultado tem sido usado como evidência de que os contraceptivos orais (CO) inibem a ovulação. Entretanto, este artigo original escrito por Carr et al em 1979, não pode ser extrapolado ao Regime de Yuzpe ou ao Plano B por várias razões. Primeiro porque o artigo foi escrito em 1979, quando as doses de estrogênio nos CO eram maiores que as doses dos CO que se usam agora. Além disso, usar as doses altas de hormônios a meados do ciclo é diferente de usá-los durante 21 dias num ciclo de 28 dias. Segundo, as descobertas publicadas se basearam em estudos de apenas quatro mulheres, por isso os dados deste estudo não podem ser usados hoje para estabelecer que o uso dos CO ou os CE hormonais impedem a ovulação consistentemente.

Os dados de outros ensaios hormonais confirmam que os CE não suprimem consistentemente a ovulação. Num estudo10 do Regime de Yuzpe que examinou vários marcadores da ovulação se viu que o pico de concentração do LH ocorreu dentro dos 4 dias depois do tratamento em 5 das 9 mulheres estudadas, com um aumento subseqüente de progesterona, o que sugere que a ovulação já havia acontecido. Outro estudo mais recente11 com marcadores hormonais na urina, encontrou o pico do LH dentro de um dia de tratamento com o Regime de Yuzpe em 2 de 8 mulheres com um aumento subseqüente da progesterona.

EFEITOS DA CONTRACEPÇÃO HORMONAL DE EMERGÊNCIA (CE) NA FASE PRÉ-OVULATÓRIA

A Tabela 112-20 descreve os principais estudos que analisaram o uso dos CE hormonais. Estima-se que a eficácia está na faixa de 56.9-90.9%, e o maior estudo12 mostra uma eficácia de 56.9%. A eficácia é a porcentagem de redução na taxa de gravidez das mulheres que usam os CE, comparada com a estimativa da porcentagem de mulheres que não os usaram. Estas taxas são calculadas de dados secundários que não se estabeleceram por estudos randomizados, controlados e prospectivos. (Apêndi¡ce I3,20-28.) Este estudo12 da Organização Mundial da Saúde, encontrou que num grupo de cerca de 400 mulheres, 6 delas que usaram o Regime de Yuzpe na fase pré-ovulatória, ficaram grávidas. (Esperavam-se 10 se não se davam os CE.) Além disso, duas mulheres que usaram o Plano B na fase pré-ovulatória ficaram grávidas (de 11 que se esperavam). O período pré-ovulatório é o período no ciclo menstrual que ocorre mais de 3 dias antes do dia em que se espera que ocorra a ovulação. Esse dia neste estudo se estimou que era o dia 14 antes do início do próximo ciclo menstrual. Embora esta seja uma definição imprecisa que poderia não estar totalmente correta, é a melhor definição disponível para estes estudos. Além do mais, Glasier17 apresentou dois casos de mulheres que engravidaram depois de usar o Regime de Yuzpe, ainda que sua progesterona estivesse num nível menor de 1.5ng/ml.

Tabela #1 Estudos mais importantes da eficácia do Regime de Yuzpe na contracepção de emergência

Gravidez a (n)

Referências
Pts. (n)
Observados
Estimados
Eficácia b (%)

Hertzen e Van Look (1998)12

997

31

72
56,9 - 67,4

Webb et al. (1992)13

191

5

11,29
55,7 - 65,9

Zuliani et al. (1990)14

407

9

28,74
68,7 - 75,1

Yuzpe et al. (1982)15

692

11

30,9
64,4 - 86,8

Ho e Kwan (1993)16

341

9

21,958
59,0 - 63,7

Glasier et al. (1992)17

398

4

23
82,6 - 83,1

Van Santen e Haspels (1985)18

235

1

11
90,9 - 80,7

Percival-Smith e Abercrombie (1987)19

612

12

40,174
70,1 - 75,4

aNúmero atual de gravidezes e estimativa de gravidezes que deveriam haver ocorrido se o Regime de Yuzpe não tivesse tido efeito, para cada estudo em que o regime de Yuzpe foi usado.
bEficácia calculada baseada nas gravidezes observadas e estimadas dadas nesta tabela (primeiro número) e a eficácia baseada nas estimadas de Trussell20 (segunda porcentagem da figura).

Portanto, pelo menos dois estudos12,17 demonstraram que a contracepção de emergência hormonal (os CE), inclusive na fase pré-ovulatória, não previne consistentemente a gravidez e, por definição permite a ovulação nesses casos. Alguns especularam29 acerca de que se não se inibe a ovulação, outros mecanismos podem atuar como a alteração no muco cervical ou a alteração nas trompas de falópio durante o transporte do esperma ou do embrião. Entretanto, não existem dados clínicos que possam comprovar diretamente a teoria sobre estes mecanismos. No entanto, existem, sim, dados que provam diretamente os efeitos potenciais da contracepção de emergência na implantação.

EFEITOS NA IMPLANTAÇÃO

Os contraceptivos orais (CO) afetam adversamente o processo de implantação6, isto tem implicações para o Regime de Yuzpe e o Plano B, porque eles estão compostos pelos mesmos hormônios contidos nos atuais contraceptivos orais (CO). Os CO afetam as integrinas, um grupo importante de moléculas de adesão que tiveram um papel na área da fertilização e da implantação. Somkutim et al.30 afirmam: "Estas alterações do epitélio estromal e a integrina sugerem, que a receptividade do útero está comprometida e esse é um dos mecanismos de ação contraceptiva." Além disso, as prostaglandinas são fundamentais para a implantação mas o uso dos contraceptivos orais (CO) diminui a quantidade de prostaglandinas disponíveis para a implantação.31,32 Finalmente é bem conhecido o fato de que os contraceptivos diminuem a grossura do endométrio, isso foi verificado por ressonância magnética33,34 e um endométrio mais delgado torna mais difícil a implantação35-39 É possível que o uso da contracepção de emergência tenha os mesmos efeitos no endométrio, já que se trata dos mesmos componentes dos contraceptivos orais. Um número de estudos apóia esta hipótese e mostra alterações na histologia do endométrio1,40 ou nos níveis uterinos de receptores de hormônios41, os quais persistem durante dias depois de haver usado o Regime de Yuzpe. Todas estas descobertas sugerem que o uso do Regime de Yuzpe afeta desfavoravelmente o endométrio.

Além da evidência teórica de que o uso dos CE está relacionado com os efeitos adversos no endométrio que impedem a implantação; Hertzen e Van Look12 acharam que o uso do Regime de Yuzpe e do Plano B reduziu o número de gravidezes que se esperava que acontecessem quando se usaram nas fases ovulatórias (17- 13 dias antes do ciclo menstrual seguinte), na fase post-ovulatória (< 13 dias antes do ciclo menstrual previsível), bem como na fase pré-ovulatória (como dissemos antes). Nos grupos que usaram o Regime de Yuzpe na fase ovulatória, ocorreram 17 gravidezes (esperavam-se 54, se não tivessem sido administrados os CE), enquanto que sete ocorreram na fase pós-ovulatória (esperavam-se 11). No grupo que usou o Plano B, ocorreram 7 gravidezes (esperavam-se 53) na fase ovulatória; enquanto que duas ocorreram na fase pós-ovulatória (esperavam-se 10). Estes dados são consistentes com a hipótese de que os contraceptivos hormonais têm um efeito pós-fertilização no endométrio. No caso do uso da contracepção de emergência na fase ovulatória, é possível ainda que outros mecanismos possam ter um papel (ou seja, uma mudança na viscosidade do muco ou a alteração do transporte do esperma, do óvulo ou do embrião ao longo da trompa). Entretanto, não encontramos suficiente informação que apóie estas teorias.

Aumento do risco de gravidez ectópica?

Um dos resultados do efeito pós-fertilização dos CE hormonais pode ser um aumento da quantidade de gravidezes ectópicas. Se a ação dos CE na trompa de falópio e no endométrio não tivessem efeitos pós-fertilização, então a redução na taxa de gravidezes intra-uterinas (GI) em mulheres que tomam contraceptivos de emergência (CE), deveria ser proporcional à redução na taxa de gravidezes ectópicas (GE) em mulheres que tomam contraceptivos orais (CO). No entanto, como o efeito dos contraceptivos hormonais de emergência é aumentar a taxa de GE/GI, isto indicaria que um ou mais efeitos de pós-fertilização estariam acontecendo6.

A proporção de gravidezes ectópicas é um pouco menos de 2%42. No único estudo que conhecemos acerca dos CE hormonais e as gravidezes ectópicas, Kubba e Guillebaud43 notaram que em 715 mulheres que usaram o Regime de Yuzpe ocorreram 17 gravidezes, incluindo uma gravidez ectópica (ou seja, uma taxa de gravidez ectópica de 5.9%), apoiando assim a possibilidade de um ou mais efeitos pós-fertilização. Entretanto, a confirmação de tal efeito exigirá uma série mais ampla de estudos de gravidez em pacientes que praticam a contracepção de emergência, para determinar se a proporção de gravidezes ectópicas é realmente mais alta que naquelas mulheres que não usaram contraceptivos de emergência.

Contribuição relativa do efeito pós-fertilização

Como dissemos anteriormente dois estudos pequenos10,11 sugeriram que a contracepção de emergência pode inibir a ovulação em 55-75% dos casos. Na muito otimista suposição de que os CE hormonais impeçam a ovulação em 87.5% dos casos, Trussell e Raymond44 julgaram que os mecanismos "que não impedem a ovulação constituem entre 13-38% da efetividade estimada do Regime de Yuzpe." Esta faixa é maior que 12.5% porque os CE hormonais freqüentemente se usam durante a ovulação ou depois, quando por definição outros mecanismos que não são para prevenir a ovulação, estão atuando. O mecanismo mais provável é o efeito pós-fertilização porque afeta o endométrio.

Resumo e implicações

A evidência apóia a afirmação de que o uso da contracepção de emergência (CE) nem sempre inibe a ovulação, ainda que seja usada na fase pré-ovulatória. O fato é que podem alterar desfavoravelmente o endométrio em qualquer época do ciclo em que sejam usadas, e o efeito persiste vários dias. As taxas reduzidas de gravidez comparadas com o número de gravidezes que se esperavam ocorreram em mulheres que usam os CE na fase pré-ovulatória, ovulatória ou pós-ovulatória, estão relacionadas com um efeito pós-fertilização, o que pode ocorrer quando se usam os CE em qualquer um destes ciclos menstruais.

Esta interpretação da literatura tem importantes conseqüências devido ao debate no uso dos CE.45 Por exemplo, muitos estados têm leis com cláusulas de consciência nas quais o pessoal médico (médicos, enfermeiras, farmacêuticos e restante pessoal médico) não pode ser obrigado a participar em abortos cirúrgicos ou químicos, nem a indicar a ninguém que realize um aborto. Portanto, este efeito pós-fertilização pode ter implicações legais para o pessoal ligado à saúde que receita ou faz objeções acerca de receitar estes fármacos.

Os protocolos dos departamentos de emergência também poderiam estar afetados pela evidência deste efeito pós-fertilização. Por exemplo, os departamentos de emergência de hospitais católicos usualmente não permitem os CE ou fazem um uso limitado deles (por exemplo, apenas como pré-ovulatório)45. Os hospitais católicos que permitem o uso dos CE na etapa pré-ovulatória poderiam querer revisar suas políticas se é verdade que não há um efeito totalmente antiovulatório e existe a possibilidade de um efeito pós-fertilização, ainda que se usem os CE antes da ovulação. Muitos dos hospitais leigos têm menos limites no que diz respeito ao uso dos CE, sobretudo para os protocolos de violação. De qualquer maneira, a evidência do efeito pós-fertilização no uso dos CE é importante para que os médicos possam tomar decisões morais de receitar ou não uma droga que pode causar um aborto precoce.

Nossas conclusões têm limitações potenciais. Como não existem estudos não controlados em mulheres que estão usando os CE, nossas conclusões se baseiam em séries de casos informados. Entretanto, esta é a melhor informação no uso dos CE que está disponível. Também assumimos que com base nas nossas conversações com médicos e outras pessoas em todo o país, muitos médicos e pacientes estarão preocupados pelo possível efeito pós-fertilização. Ainda que existam evidências que apóiam nossa hipótese45,46 são necessárias maiores pesquisas científicas. Entretanto, esta informação deveria incluir-se quando se obtém o consentimento dos pacientes, para eles ficarem alertas destas opções e complicações e que possam decidir, com base na informação que já está disponível.

Independentemente das convicções pessoais do médico ou do pessoal ligado à saúde sobre o mecanismo de ação dos CE, os pacientes têm o direito de serem informados sobre o que diz respeito a suas crenças e valores. Algumas pessoas nos sugeriram que até não ter certezas acerca do efeito pós-fertilização dos CE, esta informação não deveria ser incluída no consentimento informado. No entanto, os efeitos prejudiciais que ocorrem raras vezes, mas que são importantes, constituem uma parte essencial de outras discussões sobre o consentimento informado na medicina, principalmente quando o paciente considera importante essa possibilidade de risco que apenas ocorre. Um exemplo disso é o caso do uso de anestesia. Existem muito poucas mortes provocadas pela  anestesia que é administrada aos pacientes para as intervenções cirúrgicas. Considera-se algo adequado e legalmente necessário que se informe ao paciente da possibilidade de morte antes de submeter-se a elas, devido à importância desse risco. Portanto, para a mulher para a qual é importante a morte provocada de um zigoto ou um embrião, não discutir com ela a possibilidade de que ocorra esta perda, ainda que tal possibilidade seja remota, seria uma falha. Além disso, com base na documentação que analisamos neste artigo, parece que o efeito dos CE pós-fertilização é mais comum que o que reconhece a maioria dos médicos e pacientes. Isto é particularmente verdadeiro devido a que nos estudos que se têm realizado até hoje, é mais comum que as mulheres solicitem o tratamento (os CE) depois de haver mantido relações sexuais próximas temporalmente ao momento da ovulação, que depois de terem relações sexuais antes da ovulação.44

Algumas pessoas nos disseram que pôr muita ênfase nos efeitos pós-fertilização poderia fazer com que as mulheres não escolham os CE e isso poderia aumentar o número de gravidezes não desejadas. No entanto, ambas as opiniões não levam em conta o valor do direito da mulher a tomar decisões, com base no consentimento informado. Durante as conversações com o paciente sobre o consentimento informado, é possível que não seja boa idéia pôr excessiva ênfase na possibilidade de um risco só. Todavia, não mencionar esse risco possível seria não dar a possibilidade de obter um adequado consentimento informado. Portanto, deve-se falar sobre o risco potencial de efeitos pós-fertilização, e se deve incluir tal informação dentro da evidência médica que está disponível.

Um verdadeiro consentimento informado exige a compreensão por parte da paciente e do médico, a difusão da informação e a troca das interpretações. Se um mecanismo pós-fertilização da contracepção de urgência hormonal violasse os valores morais de uma mulher, a falha do médico ou do fornecedor do tratamento na comunicação desta informação, eliminaria a probabilidade de que o consentimento da mulher fosse realmente informado.

Finalmente, opinamos que existe potencialmente a possibilidade de um impacto psicológico negativo em mulheres que valorizam a vida humana a partir da concepção. Não lhes foi oferecido um verdadeiro consentimento informado sobre o uso dos CE, e acabam conhecendo os possíveis efeitos pós-fertilização depois de usá-los. Isto poderia ocasionar desilusão, culpa, tristeza, medo, raiva ou depressão; ou a sensação de terem sido violentadas por seu fornecedor de saúde. A literatura médica não apóia a hipótese de que nenhum paciente se importa com os efeitos pós-fertilização.45,47-49

O doutor Chris Kahlenborn MD trabalha no Departamento de Medicina Interna do Hospital Altoona e do Hospital Bon Secours em Altoona, Pennsylvania. Seu e-mail é: kahlen@alt3.com

O doutor Joseph B Stanford MD MSPH é professor assistente do Departamento de Família e Medicina Preventiva da Universidade de Utah, Salt Lake City, Utah.

O doutor Walter L Larimore MD é professor clínico associado de Medicina Comunitária e de Família da Universidade de South Florida em Tampa, Flórida.

Os autores agradecem a Dorothy Dugandzic BS e Walt Severs PhD sua ajuda técnica.


Apêndice 1 . Crítica da eficácia da contracepção de urgência.

A medida da eficácia é importante para a análise da probabilidade de um efeito pós-fertilização. Por exemplo, se a utilização da contracepção de urgência tivesse uma taxa de eficácia de 0%, a questão de uma ação pós-fertilização não teria sentido. O uso da contracepção de urgência foi autorizado pela Food and Drug Administation na ausência de um estudo prospectivo e randomizado (com uma amostra de casos tomados ao acaso) quanto a sua eficácia3,21. Na verdade sua eficácia foi julgada a partir de estudos que examinamos neste artigo. Levamos em conta as taxas de eficácia com base em dados brutos, comparando-as com as estimativas calculadas por Trussel et al.20 Para cada um dos 8 estudos apresentados na Tabela #1. Trussel et coll. utilizaram estas ultimas estimativas para calcular uma taxa de efetividade global de 74,1%, enquanto que os dados brutos indicam uma taxa de 65,7%.

Nestes estudos, as taxas de gravidez da coorte estavam comparadas com as taxas de gravidez estimadas a partir de controles históricos. Precisamente, as taxas de referência das gravidezes estavam fundadas no procedimento desenvolvido no estudo de Dixon,22 que estimava a taxa presumida de gravidez nas mulheres com uma única união sexual num dia preciso do ciclo menstrual. Dixon fundou a probabilidade de gravidez por dia específico conforme 2 estudos principais: Schwartz et coll ; (1979)23 et Barret et Marshall (1969)24. Nas análises posteriores, Trussel et coll. abandonaram o estudo de Schwartz que estava baseado na inseminação artificial e acrescentaram outro grupo de controle histórico a partir de um grupo de mulheres buscando engravidar em Carolina do Norte, no início dos anos 198025. Fazendo isto, Trussel et coll. não compararam na verdade um grupo e controles contemporâneos. Este problema de concepção maior poderia tornar incertas as conclusões dos estudos por duas razões:

1. Nos anos 1960, a taxa de infertilidade era mais baixa que nos anos seguintes. Por exemplo, « a infertilidade aumentou em 177% entre as mulheres casadas de 20 a 24 anos de idade entre 1965 e 1982.»26 Assim poderíamos esperar, nos controles de Barrett, uma taxa de infertilidade inferior à da coorte estudada (mulheres utilizando a contracepção de urgência). Wilcox et al.25 constataram também que «as mulheres eram excluídas se tinham uma doença crônica séria ou se elas ou seus parceiros tinham um problema precedente de infertilidade ». Nenhum destes casos de estudos contava com detecção de infertilidade. Portanto é provável que os dois estudos de referência tivessem uma taxa de infertilidade mais baixa que os casos do estudo. Neste caso os estudos sobre o uso da contracepção de urgência utilizando controles históricos como elementos de comparação poderiam sobrestimar a eficácia da contracepção de urgência sobre a prevenção ou a detenção da gravidez.

2. Do fato de escolher controles sobre mulheres que não tentavam utilizar a contracepção de urgência para impedir a gravidez poderiam decorrer diferenças que afetariam os resultados. Por exemplo alguns controles (grupos de referência) vêm dos estudos de Barrett e Marshall24 que haviam analisado 241 casais que utilizavam o método natural de planejamento familiar baseado na temperatura basal. Algumas mulheres tentavam chegar à concepção, como as mulheres estudadas por Willcox et al.25 Era sabido que nenhuma estava sob o estresse de uma violação ou do estresse de outra situação difícil. Enquanto isso, as oito coortes citadas por Trussel tentavam prevenir a gravidez ou interrompê-la, e provavelmente tivessem mais estresse emocional que o grupo de mulheres de referência que desejava a gravidez. Se formos estudar dois grupos de mulheres, o primeiro desejando a gravidez, e o outro não desejando-a e sob estresse, a taxa de fertilidade poderá variar consideravelmente, porque é possível que sob estresse extremo, a secreção hormonal que induz a ovulação pela glândula pituitária esteja inibida. Por exemplo, Diamond27 citava um estudo prospectivo em Minnesota sobre 4000 mulheres que tinham sido violadas e entre as quais nenhuma tinha ficado grávida. Isto poderia ser um sinal de uma mudança hormonal endógena com a qual o corpo da mulher inibisse a ovulação durante, ou logo após a violação.

3. Todos os estudos relativos à contracepção de urgência se baseiam num momento preciso da ovulação comparado com a extensão do ciclo (por exemplo, no dia décimo-quarto antes do ciclo menstrual seguinte). Entretanto, a duração da fase de luteinização muda muito, de uma para outra, e numa mesma mulher, inclusive com mulheres que têm um ciclo menstrual regular.28 Portanto, alocar probabilidades de concepção utilizando o conceito de «tal dia com relação à ovulação» é impreciso.

Acreditamos que acerca das razões dadas anteriormente as estimativas de taxa de eficácia da contracepção de urgência são muito hipotéticas e exigem maior análise.


Referências

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RÉSUMÉ

OBJECTIF : Évaluer la possibilité d'un effet post-fécondation lié aux moyens de contraception d'urgence hormonale les plus répandus aux États-Unis et étudier l'impact éthique de cette possibilité.

SOURCES DE DONNÉES ET DOCUMENTATION DE RÉFÉRENCE : Recherche dans la base de données MEDLINE (de 1966 à novembre 2001) des articles pertinents en Anglais et revue systématique de la bibliographie des articles afin d'identifier des articles supplémentaires. Les critères de recherche incluaient les termes contraception d'urgence, contraception post-coïtale, effet post-fécondation, méthode de Yuzpe, lévonorgestrel, mécanisme d'action, Plan B.

RÉSUMÉ DES DONNÉES : Les deux types de contraception d'urgence hormonale les plus utilisés aux États-Unis sont la méthode de Yuzpe (fortes doses d'éthinylSstradiol et de lévonorgestrel) et le "Plan B" (forte dose de lévonorgestrel seul). Bien que ces deux méthodes bloquent parfois l'ovulation, elles pourraient aussi agir en diminuant la probabilité de l'implantation par leur effet négatif sur l'endomètre (effet post-fécondation). La preuve disponible d'un effet post-fécondation est modérément forte, que la contraception d'urgence hormonale soit utilisée en phase pré-ovulatoire, ovulatoire ou post-ovulatoire du cycle menstruel.

CONCLUSIONS : Sur la base des preuves théoriques et empiriques actuelles, la méthode de Yuzpe aussi bien que le Plan B agissent vraisemblablement en provoquant parfois un effet post-fécondation, quel que soit le moment du cycle menstruel où ils sont pris. Ces découvertes ont des implications potentielles dans les domaines tels que le consentement informé, les protocoles des services d'urgence et les clauses de conscience.


SUMMARY

OBJECTIVE: To assess the possibility of a postfertilization effect in regard to the most common types of hormonal emergency contraception (EC) used in the US and to explore the ethical impact of this possibility.

DATA SOURCES AND STUDY SELECTION: A MEDLINE search (1966--November 2001) was done to identify all pertinent English-language journal articles. A review of reference sections of the major review articles was performed to identify additional articles. Search terms included emergency contraception, postcoital contraception, postfertilization effect, Yuzpe regimen, levonorgestrel, mechanism of action, Plan B.

DATA SYNTHESIS: The 2 most common types of hormonal EC used in the US are the Yuzpe regimen (high-dose ethinyl estradiol with high-dose levonorgestrel) and Plan B (high-dose levonorgestrel alone). Although both methods sometimes stop ovulation, they may also act by reducing the probability of implantation, due to their adverse effect on the endometrium (a postfertilization effect). The available evidence for a postfertilization effect is moderately strong, whether hormonal EC is used in the preovulatory, ovulatory, or postovulatory phase of the menstrual cycle.

CONCLUSIONS:Based on the present theoretical and empirical evidence, both the Yuzpe regimen and Plan B likely act at times by causing a postfertilization effect, regardless of when in the menstrual cycle they are used. These findings have potential implications in such areas as informed consent, emergency department protocols, and conscience clauses.

Este artigo foi publicado em inglês em The Annals of Pharmacotherapy, março 2002, Volume 36 (referência: Kahlenborn C, Stanford JB, Larimore WL. Postfertilization effect of hormonal emergency contraception. Ann Pharmacother 2002 ;36:465-70) e se reproduz com a autorização dos autores.
O original em inglês está disponível em http://www.polycarp.org/postfertilization.pdf.

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